Ônibus incendiado em ataques do PCC, em 2006. Nove anos depois, população de Cotia é aterrorizada |
Desde as 9 horas da noite de hoje, 30 de abril, o serviço de transporte público de Cotia está suspenso. O motivo é um toque de recolher emanado por supostos integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), divulgado e compartilhado via Whatsapp e redes sociais pela cidade e região.
Além dos ônibus, a população também se recolheu às suas residências, alardeada pela promessa de "Rodo Geral" realizada pelos autores das mensagens em retaliação à morte de uma mulher, supostamente ligada a facção.
Nos grupos da cidade no Facebook, a revolta da população para a situação de terror promovida pelo toque de recolher recai sobre o prefeito do município, Carlão Camargo, do PSDB, sob acusação de leniência para com o crime organizado. Acusam-no de estar na segurança de seu condomínio assistindo ao pavor dos cidadãos, abandonados à própria sorte nas ruas, sem transporte para chegarem em casa e se esconder. Assim como em muitos outros casos, o povo dá provas, mais uma vez, que não sabe diferenciar as responsabilidades das esferas de poder.
Se recobrarmo-nos um pouco a memória, lembraremos que há nove anos, às vésperas do Dia das Mães, um outro toque de recolher provocou pânico em todo o Estado. Também ordenado pelo PCC, o "Salve Geral" de 2006 foi responsável por ataques de armas de fogo e coquetéis molotov a bases da polícia, delegacias e viaturas. Mas também a civis que, nas ruas, foram surpreendidos pelas rixas do crime organizado e a organização do Estado.
O mais atento lembrará que o governador à época, responsável pela Segurança Pública, atendia pelo nome de Geraldo Alckmin, também do PSDB. O mesmo senhor calvo, dono de um característico nariz avantajado, médico por formação, católico fervoroso, austero e pai de família exemplar que hoje diz que não há falta d'água, que não há greve dos professores e que o crime organizado não existe, assistiu situação semelhante ao fim da sua primeira passagem pelo Palácio dos Bandeirantes.
O governador que foi reeleito no primeiro turno em 2014 é o mesmo que há nove anos viu o PCC promover seus atos de terrorismo no Estado e que não foi capaz de desmantelar a maior facção de crime organizado de São Paulo. A população de Cotia, que hoje vocifera e escarneia contra o prefeito - de maneira efêmera, é verdade -, tem votado ano-a-ano de maneira maciça no partido do governador, tanto do âmbito estadual, quanto em âmbito municipal, que é dominado desde o ano 2000 pelos tucanos.
A verdade é que, assim como a frase "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas", escrita por Antoine de Saint-Exupéry em "O Pequeno Príncipe", as escolhas políticas que fazemos refletem na nossa vida em sociedade. A leniência para com o crime não é de responsabilidade exclusiva do governador (ou do prefeito, como alguns acreditam), mas também da sociedade em geral, que optou pela manutenção do programa.