Quem nunca viu essa imagem? Sócrates, meio-campista corinthiano da década de 80, com punhos cerrados dentro do campo de futebol. Uma imagem emblemática que, até hoje, corre o mundo. A simbologia deste ato é clara. Deixo a pergunta: qual a diferença entre esse movimento e a fala de Felipe Melo em dedicar seu gol a um determinado candidato?
Fosse a dedicação à Marina Silva, ao Cabo Daciolo ou à sua filha ou filho teria causado estranheza? Por mais que se tenha N motivos para rechaçar a candidatura do homenageado pelo volante do Palmeiras, cercear o direito à manifestação política do jogador é o mesmo que condenar a atitude outrora aplaudida de Sócrates. Achar que o campo de jogo deve ser dissociado da vida civil é tão autoritário e, portanto, anti-democrático, quanto o próprio posicionamento da ditadura combatida por Sócrates e sua Democracia Corinthiana.
Ainda sobre a repercussão do candidato em questão no meio do futebol, o presidente da Gaviões da Fiel Torcida, Digão, emitiu nota pedindo que os associados da agremiação que defendem o político que deixem o quadro de sócios. Em sua fala, diz que os valores que construíram a história da organizada destoam completamente dos defendidos pelo postulante à presidência.
Onde Digão acerta? Em apontar para seus associados a postura institucional da agremiação. Ele não diz para fulano deixar de votar em A ou B, mas diz para o sócio da organizada que os Gaviões foram criados para combater um ditador dentro do clube e que muitos dos fundadores sofrem nas mãos das forças do Estado por combaterem a Ditadura Militar. Ditadura essa, defendida e exaltada pelo candidato. Percebam que essa não é a opinião do Digão, mas como presidente eleito em sufrágio universal (universo de sócios da Gaviões), representa a instituição.
Assim como uma entidade como o Greenpeace não quer caçadores de animais dentro da organização ou partidos de ideologias cristãs refutam a presença de defensores da descriminalização do aborto, por essas condutas não serem condizentes com a política institucional, Digão alerta que a defesa de uma política repressora e ditatorial não condiz com as diretrizes que formam a entidade que preside.
Aliás, é graças ao combate à repressão do Estado, ao combate à ditadura que Felipe Melo tem o direito de se manifestar em apoio a quaisquer candidatos, seja no campo de futebol, na padaria ou na internet. Por mais que o homenageado em questão, seja exatamente alguém que prega essa repressão. Ainda assim, tem-se que combatê-la e não corroborar tal atitude.